Ontem dormiram todos separados; cada um na sua cama. E eu tive de dormir na minha cama de lençóis grossos, onde não me deitava há já algum tempo. Alergias de Primavera…

Deitei-me tarde. O meu quarto era a única divisão do palácio onde os circuitos elétricos ainda estavam fechados; mais ninguém estava acordado senão eu. Mas ninguém estava feliz. É preciso muito mais que um palácio para se ser feliz. Até as alergias primaveris bastam para se ser miserável, (…). Tinha sono mas não me queria deixar adormecer. Queria chorar mas sem fazer barulho. Não fosse eu acordar o rei e a rainha, de sono real muito leve. Seriam capazes de acordar e chorar timidamente, cada um retirado no seu canto para o outro não ouvir. Eles, esses reis, também infelizes.

Ah!, quem me dera não ter nascido neste berço de ouro. Assim, talvez não fosse tão desprezável quanto esses reis. Esses reis que nem um instintivo sorriso são capazes de oferecer um ao outro, que vivem juntos e se odeiam mutuamente, que se insultam caluniosamente e que, num impasse, não se conhecem (porque nunca se quiseram conhecer). Mas que, vergonhosamente, por causa do palácio, continuam a partilhar a mesma cama, sempre sem se tocarem. Ontem a mesma cama não adormeceu dois corpos reais; Como será hoje?