domingo, 8 de maio de 2011

Ontem à noite, num recanto dos jardins do castelo, a rainha desabafou comigo.
A lua seguia-lhe o olhar, as flores penteavam-lhe os cabelos compridos e o vento prendia-lhe as lágrimas aos lábios. E que olhar vazio, tão seguro o chão, tão descalço. Adormecera na cama errada e apaixonara-se. Foi a cama mais longa e mais quente, o abraço mais forte, o ombro mais largo e a voz mais arrepiante que ela amou. O corpo mais animal que, até hoje, lhe causa insónia.
Segurava entre as suas longas mãos de ouro uma boneca de porcelana de cabelos escuros encaracolados. Minúscula e fria, como a pérola do seu colar. Chegou-a perto do rosto e secou as lágrimas com o vestido daquela figurinha de menina. (…) E tenho a dizer que o vestidinho era de um bom tecido, aguentou com muitas confidências.
Começou a chover; Sim porque até nos jardins reais o céu chora. Contei as gotas de chuva que lhe cruzavam e abrilhantavam o olhar como os raios de uma trovoada. Tanta luz e tão sem rumo (…) Quem diria que aquela mulher era uma rainha!
A noite ia alta; Até as flores já tinham adormecido e deixado de adorar a rainha. Já todo o castelo se havia recolhido. Os jardins estavam desertos e só se ouviam as lágrimas da rainha abraçarem o chão como se fossem vidros, doces e pequeninos cristais.
Aquela coroa fez-me impressão. Afinal, a coroa é só como mais uma pulseira, um colar, um brinco, ou um anel que as outras mulheres usam porque em nada tem mais de angelical. Afinal, a mulher da coroa ama e chora como a sua criada; Curiosamente, até é tão ou mais miserável que a sua própria serva visto que é com ela que chora e desabafa.
Estávamos encharcadas. Segurei-a pelos ombros, abracei-a, tirei os meus sapatos e calcei-a. Não podia permitir que aquela mulher se magoasse nos cristais que espalhara até ontem pelos jardins do castelo, não podia consentir que o seu sangue azul acordasse as flores ou marcasse o azulejo nem a relva. Seguimos juntas, em passo real, para o castelo e entramos ambas pela porta dos fundos…

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